Wednesday 16 September 2009

Diálogos Socráticos #1
























Caminhando desajeitadamente, arrastando as chinelas pelo chão poeirento, vai Equécrates, a quem Símias mandou pedir a Sócrates se este por acaso tinha trinta gramas de surro que lhe dispensasse. Nisto, Equécrates encontra Sócrates sentado num calhau, como é apanágio de qualquer filósofo, e coçando o sovaco com a unha do indicador direito, como é apanágio de um trabalhador da construção civil. Além de coçar, Sócrates encontra-se batendo o sacana de um papinho com Platão, que anota as suas sábias palavras numa sebenta.

PLATÃO: Mas diz-me Sócrates, que mania é essa a tua de não tomares banho?

SÓCRATES: Ora meu caro Platão, estarás tu por acaso a pretender insinuar que a minha pessoa fede?

PLATÃO: A pretender insinuar nunca, que não gosto disso. Estou mesmo é a afirmar que tresandas a mijo que embaça.

SÓCRATES: Diz-me Platão, porque pensas que não tomar banho tem algo que ver com o facto de eu cheirar a mijo?

PLATÃO: Então Sócrates, vamos lá ver, tem tudo. Se não te lavas, cheiras mal.

SÓCRATES: Aí reside o teu erro, caro Platão, é que o meu odor a urina não advém do facto da minha pessoa não tomar banho, mas porque tenho falta de vista e sempre que vou efectuar o chichi descuido-me nas chinelas e na toga.

PLATÃO: Entendo Sócrates, mas o facto é que com ou sem urina continuas a feder.

SÓCRATES: Pois bem. E eu pergunto-te Platão, que é isso de cheirar mal? Não se trata o olfacto apenas de um mero sentido que usamos para percepcionar a realidade?

PLATÃO: Sim, pode ser entendido como tal.

SÓCRATES: Então admites Platão, que caso fosses privado desse sentido não poderias afirmar levianamente acerca do meu mau odor corporal, certo?

PLATÃO: É factual, Sócrates. Mas não só cheiras mal como és feio.

SÓCRATES: Platão, Platão, Platão. Poderias tu fazer essa afirmação acerca da fealdade do meu semblante se fosses porventura ceguinho das duas vistas?

PLATÃO: Decerto que não, pelo menos no imediato. Mas se tocasse com as mãos na tua cara rapidamente constataria que esta parece um menir.

SÓCRATES: E se fosses maneta dos dois braços, Platão, achas que conseguirias apalpar a minha aparência física usando os cotos?

PLATÃO: Decerto que não.

SÓCRATES: Então admites, que caso fosses cego, surdo, mudo e maneta de ambos os braços poderias afirmar que eu era um sujeito bonito certo?

PLATÃO: Certo.

SÓCRATES: Errado. Não poderias afirmar nada porque eras mudo, meu caro.

PLATÃO: Os teus argumentos são muito bonitos Sócrates, mas estar aqui ao pé de ti, uma pessoa de grande gabarito no seio da filosofia, quando cheiras nitidamente a mijo é quase tortura.

SÓCRATES: Voltas a insistir nisso, Platão, que chatice! Não me ouviste já dizer que a filosofia é um treino de morrer e de estar morto?

PLATÃO: Ouvi pois, Sócrates. Mais vezes do que desejaria.

SÓCRATES: E estar morto não inclui pois tornar-se um cadáver fedorento?

PLATÃO: Inclui pois.

SÓCRATES: Então admites que a minha recusa em tomar banho poderá ser entendida como uma prática filosófica, uma vez que me faz cheirar a cadáver?

PLATÃO: Sem dúvida, Sócrates. És levado da breca. E ainda assim olha, tresandas.

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