Thursday 23 September 2010

Homem Homem

Monday 20 September 2010

Favas à Camões






















As favas e os feijões assimilados,
Que da imortal tasca lusitana,
Saíram ares nunca de antes farejados
Flatulências de chegar à Taprobana
Os intestinos em guerra esforçados,
Mais do que a prisão de ventre prometia,
E em casa de banho remota edificaram,
Novo cocó, que tanto sublimaram.

Adolfo & Benito #8

Adolfo & Benito #8

Thursday 16 September 2010

Inimigo Imaginário #2























Lembras-te, meu caro, quando eu achava piada ao Nuno Graciano? Sim, de facto já lá vão uns anitos desde que o cocó deixou de constar da minha alimentação. Felizmente que me deixei disso e, na adolescência, me dediquei a uma actividade bastante mais proveitosa: a masturbação. É. Tudo começou quando o Filipácio Pirata me contou que andava, nas suas palavras, a "esgalhar o pessegueiro". Deveras bonito. Como resultado, "bilhar de bolso", "esticar as peles", "espancar o macaco" e "aquecer o salame" foram alguns dos belos sinónimos que aprendi para esta singular e muito útil actividade. Fazem amanhã quinze anos que me iniciei nisto. Desde então que, uma vez por dia, me dedico a espalhar semente por meias da raquete rotas das unhacas. Pouco higiénico, dirão alguns. Artístico, digo-o eu.

Há algumas décadas, padres (e outras pessoas com hálito putrefacto) insistiam que "bater uma" (eis mais um belo sinónimo) cegava. Tentavam mesmo convencer algumas pessoas de que a modalidade fazia pêlos nas palmas das mãos. Nesta questão só posso falar por mim, e estou em condições de revelar que ainda não notei merda nenhuma. De certa forma, parece-me até caricato acreditar que um tipo se transforma num lobito adolescente - tal qual Michael J. Fox sem Parkinson - por causa de aquecer o salame. Mas pronto, quem acredita em virgens que dão à luz, acredita em tudo.

Se abdicarmos do pouco tempo que dispomos para pontapear velhas e pensarmos um pouco, com isto do bilhar de bolso já matei mais gente que o Hitler. Parece-me então justo afirmar que cada meia da raquete pode encerrar, em si, pequenos holocaustos - o que me coloca no interessante patamar dos assassinos em massa, junto a Hitler, Estaline e Roberto Leal.

O Nuno Graciano nunca teve piada, eu sei. Mas o Camilo também não - e é vê-lo, todo pimpão, a apalpar gajas com menos 50 anos que ele. Chama-lhe parvo.

Há quem, inclusive, me tenha tentado convencer de que o Nuno Graciano dava um bom actor para o filme do Hitman. Era algo que tinha gosto em ver. Isso ou vê-lo ser esbofeteado por uma pila africana.

Talvez um dia, quem sabe, estes sonhos se tornem reais. Até que nem era mau.

Wednesday 15 September 2010

Melomanias #36

Sunday 12 September 2010

O Diário de Pau Arranjer #8
























Ena Diário, tá a bonita! Tenho grandes notícias homem, vou-me casar!
É verdade, tive de dar uma volta de noventa graus à minha vida. Digo noventa porque não gosto de mudanças radicais (como exigia uma volta de cento e oitenta graus) nem de voltar ao mesmo sítio (como exige uma volta de trezentos e sessenta). Uma coisa é certa Diário, vou-me casar e nem tenho grande vontade. Sabes como sou, prefiro estar muito bem gozando um sol de inverno pela janela e colando macacos no céu da boca do que a fazer essa coisa de contrair matrimónio.

Nada disto, como deves e bem calcular, aconteceu de propósito. Como me disse o Hulque, na sua sapiência, coloquei o pénis em púbis feminina alheia. Pelo menos alheia a mim, que não a conhecia. Agora também não a conheço, ou se conheço não me lembro, era tal a quantidade de álcool que tinha no sangue. Nunca esteve, nos meus planos, casar. Nunca. Sempre pensei que ia toda a minha vida ser um carrossel de festas do Avante a ouvir reggae e a fumar ganzas. Mas não, a minha pila havia de estragar tudo. Ainda dizem que alguns homens só pensam com a pila... Olha, eu sinto-me feliz por, pelo menos a minha pila, pensar. É que a única pessoa com possibilidades de encontrar um neurónio neste meu cérebro deve ser um arqueólogo.

Nunca pensei casar, Diário. Muito menos, casar com uma daquelas gordas iguais às dos vídeos do youporn. Mas assim aconteceu, e quem sou eu para negar tal divino presente. É todo um ciclo vicioso, o fígado não me filtra o álcool e o cérebro não me filtra as gordas. O que vier, calha.
Enfim Diário, talvez seja melhor assim.

Sabes o que me conforta no meio disto? Chegar um dia, idoso, com os netos aos meus pés lambendo a carpete suja de cocó de gato, e não me lembrar de nenhuma destas coisas. Sabeis porquê Diário? Porque, felizmente, há alzheimer!

A Tabacaria























A primavera acabara de chegar, e com ela, os calções, as alergias e alguns sovacos por depilar. No ar há um distinto odor a marisco - ou pelo menos aparenta-o - que pode afinal ter a sua origem em meia-dúzia de virilhas pouco dadas à higiene. Ainda assim, nas grandes narinas de Abílio Esteves, nenhum desses odores tem autorização para entrar. À entrada da sua tabacaria Abílio degusta, inspira e expira, o fumo de uma cancerígena cigarrilha. Os novos tempos, repletos de ASAEs e corporações derivadas, impedem que a sua tabacaria cheire, efectivamente, a tabaco.

Desde miúdo que aprendera com o seu progenitor as virtudes que o fumo de um cigarro encerrava. Lá em casa qualquer hora servia para se acender um cigarro. O seu pai servia-se dele como de um ambientador, para disfarçar os mais variados cheiros, da flatulência ao malogrado chulé. O pai de Abílio tinha porte robusto e pulmões pretos, e sempre se recusou a utilizar incensos. Era "coisa de monhés," dizia ele. E assim era. A cada flatulência, a cada arroto, a cada discurso de Salazar, Barbitúrio Esteves respondia com um cigarro. Na clandestinidade vivera o seu pai, e agora, também ele assim se sentia, como um clandestino, um fora-da-lei.

Cada cigarro fumado justificava o olhar atento sobre aquela sociedade robotizada e dava-lhe tempo de sobra para observar os pormenores. As pastilhas elásticas coladas na calçada, os trolhas de manga cava, a mulher que mantinha diálogos filosóficos com o seu cão. Era aquele o seu mundo, o túnel através do qual via a realidade dos dias monótonos, com os olhos avermelhados pelo fumo do tabaco e volta e meia uma ganza.

Toda a gente tem um sonho. Seja cortar as unhas ou fazer higiene oral por uma vez que seja, todos sonham. Muitos têm mesmo sonhos húmidos e vêem-se obrigados a mudar de cuecas pela manhã. Não era o caso de Abílio. Os seus sonhos eram consistentes, secos e perfeitamente alcançáveis. Tratava-se, aliás, de apenas um sonho: abrir uma casa de putas. Não, não era um "bordel". Abílio chamava-lhe "casa de putas" e explicava o motivo. Porque a palavra "casa" atribui à coisa um ar de familiaridade, como o miúdo na Cerelac e o cão nos Chocapic; para ele, "casa de putas", gerava no incosciente do cliente a fátua ilusão de que ali ia para constituir família. Pena que não. Tudo estava cuidadosamente planeado. Brasileiras e Ucranianas, sendo que as primeiras haveriam de ter nomes de personagem de novela dos anos 80 e as segundas dotes de patinadora. Preparava ele, no seu sonho, uma casa de Isauras, Tietas e Grovetkas. E Abílio queria ser, no fim de contas, o Rei do Gado.

Todos esses pensamentos de uma vida a gerir putedo geravam em si uma enorme esperança. Por isso os partilhava com o seu melhor amigo, Otomano Mendes. Otomano começou como empregado de balcão, carpinteiro e homem do lixo. Um dia descobriu finalmente a sua vocação - escritor - quando recebeu o prémio literário de Prepúcio de Cima pela sua obra "A Dama das Auto-Estradas". Desde então, escreve contos eróticos para a revista Maria e cenários apocalípticos para a revista Sentinela. Ao balcão, ambos liam jornais desportivos intercalados com a revista Gina. Era uma das questões pela qual Abílio sentia maior desprezo: a de uma tabacaria ter de vender revistas, e não apenas tabaco, para sobreviver.

«Já te falta muito?», perguntou Otomano.
«Pra quê?», respondeu Abílio.
«Para aquilo das gajas, pá», explicou Otomano, folheando o jornal.
«Mais uns mesitos e a coisa compõe-se», disse Abílio, espreitando por cima do jornal. «E o livro, já tem título?»
«Ando a pensar num - "O Ataque dos Dinossauros com Herpes"», disse Otomano.
«Parece bonito».

Os dias na tabacaria eram sempre iguais e Abílio sentia que não era nada, nunca seria nada, e não podia querer ser nada. À parte isso, fumava cigarros para disfarçar os peidos.
Quarta-feira, de manhã cedo, e Otomano espera à porta da tabacaria por Abílio. Já faz meia hora que ele a devia ter aberto. "Algo deve ter acontecido", pensa Otomano. Então, o carro de Abílio estaciona mesmo à sua frente com o amigo lá dentro. De vidro aberto, fumando um cigarro e ouvindo o tema "Vai ter que rezar" de José Malhoa, encontra-se Abílio. Otomano aproxima-se.

«Então, pá?», diz-lhe.
Abílio tem o ar pesado de quem acabou de fazer amor com uma Simara quando era gorda.
«Assaltaram-me a casa», diz Abílio.
Otomano deixa escapar um "foda-se", e senta-se no passeio, pousando o cu mesmo numa pastilha elástica.
«Levaram-me o dinheiro todo, os cabrões.»
«Das putas?»
«Sim»
«Foda-se»

Arrastando-se como um cadáver com cheiro a tabaco, Abílio saiu do carro e fechou-lhe a porta, que dava também para os seus sonhos. "Falhei em tudo," pensou, e voltou à rotina da tabacaria. Ali permaneceram, ele e Otomano, fumando cigarros à porta da loja. Calados, deixavam-se julgar pelo imponente sol e contribuíam, enquanto pudessem, para o aquecimento global.
Tudo voltara à monótona normalidade no mundo de Abílio: o fumo do tabaco continuava a ocultar os seus hediondos peidos, as pastilhas elásticas continuavam coladas à calçada e os trolhas continuavam de manga cava. "Que mundo mais pílulas", pensava Abílio.

Estava uma manhã coçando levemente os tomates com um busca-pólos quando, sabe-se lá porquê e de onde, um adolescente de mochila às costas entra na tabacaria e imediatamente desmaia. O seu trombil, a julgar pelas amolgadelas e nódoas negras, havia sido amassado por alguém com razoável força de punhos. E decerto, alguma pontaria.
Abílio tomara a decisão, inicialmente, de o deixar apodrecer ao sol. Então Otomano chamou o amigo à razão, e Abílio acabou levando-o para sua casa. Colocaram-lhe gelo nas nódoas negras e betadine nas feridas. Ali ficaram um bom bocado, olhando o rapaz de tromba amassadas, enquanto fumavam um SG Ventríloquo cada.

Abílio levou-lhe a mochila para o seu quarto e encostou-a a um canto. Quando ia a fechar a porta, notou algo no chão - uma nota de cem euros. Voltou a entrar no quarto e pensou de onde ela viria. Olhou a mochila do miúdo, e não se deteve: abriu-a de imediato. Lá dentro encontrou o que mais temia, todo o dinheiro que havia sido roubado para a sua casa de putas.
«Filha da puta,» disse.

Entretanto, na sala, o miúdo (que se encontrava deitado no sofá) acabara de abrir um olho. Ainda meio atarantado, sentou-se no sofá. Otomano observava-o, de uma cadeira, enquanto fumava cachimbo. O adolescente olhava à volta, e parecia conhecer aquela sala de algum lado, mas de onde?
«Onde é que estou?», perguntou.
«Numa grande merda,» respondeu-lhe Abílio, que entrou na sala e, de rompante, o agarrou pelos colarinhos.
Otomano permanecia sentado numa cadeira, fumando cachimbo, sem compreender tudo aquilo. «Com que então entras na minha casa, roubas o dinheiro que demorei anos a juntar e agora ainda recebes tratamento na casa que roubaste??!!»
«Eu... Eu posso explicar», disse o miúdo. «A minha avó está muito doente, precisa de uns pulmões novos. Só roubei a sua casa por causa disso».

Abílio largou os colarinhos do adolescente, do seu maço de tabaco puxou um cigarro, e acendeu-o. O miúdo olhava para ele, com cara de parvo. Nisto, num movimento fulminante, Abílio manda-lhe uma pêra na cara. O miúdo cai no chão.
«A tua avó que fume menos», disse Abílio ao miúdo inconsciente.
Otomano, por sua vez, ficou perplexo perante tudo aquilo. Foi então que, desligando o ser humano e ligando o escritor, compreendeu - nem todas as histórias podem acabar bem. Pelo menos para alguns, que para Abílio o futuro revela-se todo um esplendor de chuvas douradas e doenças sexualmente transmissíveis.

Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.