Monday 6 April 2009

Cuidado com o cão





















(imagem gentilmente cedida pelo amigo Hélder Silva)

Contam-se pelos dedos da mão esquerda de Vítor Jardim as vezes que já atropelei cães durante a minha curta vida. Mas como o leitor não deve estar a par, Vítor Jardim trata-se de um carpinteiro com quem tive uma breve relação de amizade - cerca de três minutos - se não me falha a memória entre as 18 e as 19 horas do dia 23 de Janeiro de 1998. Vítor, metade por infortúnio metade por parvoíce, perdeu quatro dedos da sua mão esquerda numa serra quando tentava resgatar na sua oficina uma moeda de dez escudos que lhe tinha caído do bolso do fato-macaco. Tudo isto lhe causou enorme transtorno, em especial pelo facto de nunca mais poder vir a usar luvas na vida, porque convenhamos, usar uma luva na mão direita e usar outra na esquerda quando se lá tem apenas um polegar é uma visão que invoca uma certa comicidade.

Tudo isto para contar a história de Ludovino Algeroz, que em Setembro de 2001 atropelou um cão à saída da Festa do Avante. O cão, apurou Ludovino poucos minutos após lhe ter passado a roda esquerda dianteira de um Fiat Panda por cima, ficou quase totalmente esborrachado. O condutor tentou ainda ver qual era a raça do dito animal mas foi incapaz - em parte devido ao facto de não ter os óculos consigo, já que fazia dois dias os tinha trocado por uma lata de atum Nixe. Contudo, e para mal dos seus pecados, Ludovino viria a descobrir dentro de alguns dias que a raça do cão era afinal cigana, quando lhe apareceu à porta de casa uma matilha de rafeiros que mais não eram do que os familiares todos do bicho: pais, irmãos, primos, avós, sobrinhos, tios, o padrasto, a madrasta e mesmo um primo que estava emigrado no Burundi e já não o via desde o casamento da irmã mais velha.

Durante mais de vinte e dois meses os cães trataram de atazanar o juízo a Ludovino mediante o exercício de diversos latidos direccionados aos pneus do seu carro e mesmo a ele próprio quando ia para o trabalho. Isto até ao dia 12 de Fevereiro de 2003, quando Ludovino teve a amabilidade de pôr termo ao martírio e à sua própria vida, enforcando-se com o atacador de uma sapatilha no candeeiro da sala de jantar. Deixou um bilhete de suicídio que dizia clara e sucintamente:
"Seus cães ciganos do car*lho, eu morro mas vocês também não escapam! A ração Orlando do Lidl que vos dei a comer hoje de manhã estava cheia de veneno de ratos. Ora tomem lá!"

Ludovino Algeroz, apesar de morto, veio a ser condenado posteriormente a 25 anos de prisão e levado para o cemitério da Rebordosa, acusado dos crimes de suicídio e homicídio involuntário, de um vagabundo que acabou por roubar a comida aos cães.

Os cães, contudo, acabaram também por morrer depois de comerem o vagabundo morto. Os familiares de Ludovino nem tiveram tempo absolutamente nenhum de chorar a sua perda, pois mal os também ciganos donos dos cães souberam da morte dos bichos limparam-lhes o sarampo que foi uma categoria.

Viria mais tarde a ser apurado num inquérito policial que, no dia em que atropelou o cão, Ludovino conduzia sob o efeito do comunismo. Mais um dado negro para as nossas estatísticas.

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