Diálogos Socráticos #2

Mergulhado o rabiosque no sofá decadente, bairro de biliões de seres microscópicos, Sócrates recordava com melancolia os tempos em que, na sala de aula, se deslocava ao caixote do lixo perto do quadro para afiar o lápis. Ao seu lado, Parménides, que chegara de ir meter o Totobola à Casa Cunha, aproveitava para molhar umas côdeas de pão duro num molho de iscas que sobrara do almoço.

PARMÉNIDES: Ouviste isto?

SÓCRATES: Isto o quê?

PARMÉNIDES: Este barulho pá, não ouviste?

SÓCRATES: Não ouvi népia.

PARMÉNIDES: Se calhar foi só impressão... Então e olha lá Sócrates, vistes ontem o jogo?

SÓCRATES: Visionei. Porquê?

PARMÉNIDES: O que é que achaste daquele lance do Gilson Oboé sobre o Ramalho Tremoço?

SÓCRATES: Olha, achei uma rica merda. Um fiteiro aquele Ramalho, faz-me lembrar o Escrotovic. Só dá vontade é de lhe molestar aquele ânus com uma picareta.

PARMÉNIDES: Chiça penicos Sócrates, não achas que aquilo é falta?

SÓCRATES: Não, não acho. E mesmo que achasse não achava. E se fosse não era. Só sei que nada sei.

PARMÉNIDES: Ó Sócrates tu desculpa mas o Gilson entrou a pés juntos sobre o Ramalho, rebentou-lhe com os dois joelhos e ainda assim não achas que tenha sido falta?

SÓCRATES: Diz-me Parménides, achas-te inteligente?

PARMÉNIDES: Acho. Um cadito.

SÓCRATES: E quem te convenceu dessa parvoíce?

PARMÉNIDES: Fostes tu, quando te emprestei cinco contos para ires às putas e me disseste "vês Parménides, até que és um sujeito algo inteligente".

SÓCRATES: Por Zeus Parménides, nunca disse semelhante coisa.

PARMÉNIDES: Ai dissestes dissestes. Eu oiço bem.

SÓCRATES: Diz-me Parménides, no início desta conversa não disseste que tinhas ouvido um barulho?

PARMÉNIDES: Disse.

SÓCRATES: E ouviste mesmo?

PARMÉNIDES: Acho que sim.

SÓCRATES: Portanto não tens a certeza, verdade?

PARMÉNIDES: Certeza certeza... não.

SÓCRATES: Admites então que talvez também tenha sido tua impressão essa de eu te chamar inteligente quando me emprestaste dinheiro para aquela rameira macedónia?

PARMÉNIDES: Epá... Porra, é possível.

SÓCRATES: Então admites que, uma vez que o mundo sensível se trata de uma ilusão, és incapaz de determinar se a entrada do Gilson Oboé sobre o Tremoço foi falta?

PARMÉNIDES: Ó pá foda-se, o gajo partiu-lhe as pernas!

SÓCRATES: E...?

PARMÉNIDES: Epá pronto... se calhar não é falta.

SÓCRATES: Pois, se calhar não é. Olha, sabes aquilo que eu costumo dizer Parménides, "conhece-te a ti mesmo"?

PARMÉNIDES: Que é que tem?

SÓCRATES: Não o faças. És parvo.