Friday 8 April 2011

O Rock dos Esquisitos




















Tive a oportunidade de neste post fazer referência a esta rapariga (que parece dar pelo nome de Filipa) e à sua música. Mas não pude ficar por ali. Porque este não se trata de um qualquer tema musical. Porque se trata de uma coisa daquelas que primeiro estranha-se e depois, como direi, estranha-se muito.

A ausência de ritmo, de métrica no poema, notas musicais e de algum juízo levam-me a concluir que estamos perante uma pérola da música contemporânea. Aquilo é rock n' roll. E daí logo a Filipa me fez lembrar uma outra banda, adorada e odiada pela meia dúzia de parvos que a conhece - The Shaggs. As The Shaggs tratavam-se de uma banda americana composta por quatro irmãs, Dorothy, Betty, Helen e Rachel Wiggin. Em 1969 lançaram o seu primeiro álbum de estúdio Philosophy of the World, que não vendeu um peido. O Frank Zappa descreveu-as como "melhores que os Beatles". O Kurt Cobain era fã. Respeitinho portanto.

Mas as Shaggs não são nadinha fáceis de ouvir. Até porque as gajas não tinham a mínima noção (como eu) do que é uma nota musical. Tocavam porque sim, porra, e para mim nestas coisas da música a atitude é o que tem mais valor.

A música delas tem esquisitice. Tem honestidade. Tem inocência. A sua música consiste em coisas como esta:


Não é bonito? Eu cá gosto. Achais esquisito? Talvez. Bué. E aí reside a semelhança de Shaggs com a música de Filipa. Como elas, ela não sabe muito bem o que ali está a fazer. Ou digamos, sabe mas nem tem a noção de que está a ignorar os princípios musicais impostos pela sociedade. Está a tocar mas não sabe se o quer fazer, porque como diz, "Mas também tenho a pintura/Que posso investir". Enquanto as Shaggs cantam sobre família, amigos e debitando filosofias sobre o mundo que as rodeia, Filipa canta o artista que quer fazer mas não sabe se quer; que quer mudar só porque sim; que quer fazer música mas ao mesmo tempo diz que tem uma vida inteira para o fazer. Que pensa no suicídio mas sabe que isso é parvo ("Já pensei em dar um tiro na cabeça/Mas isso só só só me faz doer/E só me sangra a cabeça") e a quem a música faz esquecer "os problemas cá fora exteriores".

No fundo, o que estou a tentar dizer é que a Filipa se trata de uma espécie de Shagg portuguesa e este tema um hino a todos os losers que se estão nas tintas para ser vistos dessa forma pela sociedade. E isso, para mim, tem uma beleza singular.

Deixo-vos o vídeo, e uma transcrição da letra que tive a oportunidade de fazer.




"Gosto muito das minhas músicas", by Filipa.

E eu gosto muito das minhas músicas
E eu gosto muito das minhas letras
Gosto muito das minhas invenções
E das minhas pinturas
Eu não quero mais ter o medo quem me chame à razão
do que tá certo ou errado
Eu não quero mais ter o medo de viver com medos
Eu não quero mais só meter medo eu quero é ser feliz

Esta merda tem que mudar
Já pensei em dar um tiro na cabeça
Mas isso só só só me faz doer
E só me sangra a cabeça
E só me faz pior
E depois não componho mais músicas
Para os outros copiarem
Ou plagiarem as minhas músicas
E já não componho mais músicas
Pa-Pa um dia poder dar concertos

Pa-para já não estão em condições
Mas depois vão poder evoluir
À medida do tempo
À medida que vou conseguindo
Mas também tenho a pintura
Que posso investir

Esta merda tem que mudar
Porque eu não tenho mais nada a fazer
Ou melhor, tenho tudo a fazer
Só dependo de mim
E da próxima banda que vier

p’ra isso tenho de conhecer gente
Tenho de saber socializar
E dar-me bem com os outros
E arranjar-me bem-não-ter-as-calças-no-fundo-do-rabo
A cair

Eu não quero mais ser vítima
Eu não quero mais ser problemática
Eu só quero é ganhar
Eu só quero é ganhar
Eu só quero é ganhar
Por uma vez na vida
Que eu quero ser feliz
Por uma vez na vida
Eu tenho de me empenhar e esforçar
Para progredir e evoluir
Porqueisto nunca mais …
Mas não tenho prazo certo
Tenho uma vida inteira pa poder melhorar as músicas

Eu não quero ter vergonha de mim própria mais
Eu não quero ter falta de confiança mais
Eu quero é ganhar
Eu quero é ganhar
Eu quero é ganhar
Eu quero que as pessoas confiem em mim

E a música faz-me bem
Memo que a produtividade agora não seja boa
Pelo menos faz-me esquecer os problemas que tenho cá fora exteriores
E liberta-me bom sentimento

Por isso é que eu gosto da música
E de pintar é que me faz bem
Faz-me pôr os coisos pa cá pa fora
As tragédias a raiva a tristeza e tudo

Esta merda tem que mudar
E eu tenho que evoluir
Não sei como mas vou ter que evoluir
Para o bom sentido
Para o melhor sentido

Alguma vez há-de mudar
E eu sei o que tenho que fazer
Só que dá muito trabalho estudar
Música e pintura é mais fácil

Esta merda tem que mudar
Eu não sei o que fazer
Não sei o que... er
Só quero é ganhar por uma vez na vida
Não quero ter mais azar na minha vida
Quero ser feliz
E reencontrar um caminho para mim

P’ra isso tenho de me esforçar bastante
E melhorar a qualidade da música da guitarra
E tenho que afinar a guitarra

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