Wednesday 19 May 2010

Inimigo Imaginário #1




















Por vezes, nos intervalos da razão, assalta-me uma saudade miudinha. Saudade daqueles tempos em que éramos inocentes, sabes? Daquela época em que a minha mãe me impingia pazadas de vestuário ridículo. Era tão bonito. A boina verde, o colete de veludo, o calçonete e a meia até ao joelho. Hoje compreendo as agressões dos colegas, sabes? Aquela murraça no ouvido que me deixou de herança esta surdez parcial, apesar de na altura não ter sido grande espingarda, há que lhe reconhecer algum mérito. Pois, é como dizes, se eu visse um garoto vestido daquela maneira acho que a primeira coisa que me vinha à cabeça era mesmo esbofeteá-lo. Com força. Muita.

Tenho saudade de tanta coisa que pá, nem sei o que te diga. E ainda assim, digo. Lembras-te da Atari 2600, a primeira consola de sempre que possuía uns botões que um indivíduo tinha de esmurrar para mudar de jogo e dois joysticks com fios de dez centímetros de comprimento? Como era formidável jogar com a testa encostada ao ecrã da televisão. Isso ou martelar o escroto são duas coisas às quais não se dá o devido valor nos dias que correm. Mas sinto mesmo falta sabes de quê? De ver a Ana Malhoa vestida. É. Mais que uma saudade, trata-se talvez de curiosidade. De a ver vestida, com roupa a sério. Sim, não é com umas coisas que têm padrões de savana que ela coloca no corpo. Mas agora pensando bem, quando foi a última vez que vi a Ana Malhoa vestida, com roupa a sério? Daquela roupa que um gajo olha para a pessoa e percebe logo, "Epá isto tá um dia de inverno que nem te digo nada"?

Pois, nem eu me lembro, pá. As primeiras imagens de Ana Malhoa que o meu cérebro tem o capricho de albergar pertencem a um videoclipe dela. O vídeo em questão, era pautado por uma atmosfera algo entre o nabokoviano e carrinhos de choque, no Made in Portugal apresentado por Carlos Ribeiro, padroeiro do Vaporetto Titano e colchões Ideia Casa. Ainda me lembro do nome do tema: 'Calças Rasgadas.' O refrão contava com qualquer coisa como 'E se não as coses tu, lá tenho que as coser eu'. Na altura, confesso, faltavam-me vocábulos para descrever tamanha beleza. Hoje tenho um e é este: Foda-se.

Nesse pedaço de vídeo, esboçavam-se já em Ana algumas das qualidades que viriam a despertar a luxúria nos trolhas e camionistas de Portugal. Seu pai, pessoa do mundo artístico português famoso por usar tichârtes de licra com padrões vómito-de-vinho-tinto, tinha nela depositado grandes esperanças. Esperança de que ela se tornasse uma grande artista, do calibre de uma Ágata, Romana, Claudisabel ou Rute Marlene. Mas não, Ana havia de continuar, orgulhosa e só, pela savana, roupida com trajes que levam uma pessoa a confundi-la com um leopardo.

Ai a saudade. A saudade dos tempos em que se podia abater pessoas a tiro, sabes? Não hesitaria em fazê-lo àqueles indivíduos que teimam em tentar convencer-me de que "O Bacalhau Quer Alho" é um tema do Quim Barreiros. Sim, há gente que o pensa. Para mal desse grande vulto da música quase entre aspas, Saúl Ricardo. Recordo aquela vivacidade de Saúl, um fulgor perigoso para uma criança, em especial encontrando-se esta na presença de um membro do clero.

Seres reles e rastejantes, gentalha pútrida essa, que tenta arrastar o nome de Saúl pela lama. Esses que não respeitam a memória do ex-garoto Saúl, falecido vítima de Big Show Sic.
Ainda hoje, confesso, quando vejo um anão de bigode a tocar acordeão, me recordo do ex-miúdo.

Para que fique bem claro: Saúl Ricardo, tu estás aqui.
E já agora, onde é que essa merda fica?

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