Escrever sobre música é como dançar sobre arquitectura. Li isto nalgum lado, esqueço agora onde, e tenho plena noção da veracidade da afirmação. Não devia dançar sobre arquitectura, mas é o que vou fazer. Nos últimos dias tenho andado a ouvir o pão que o diabo amassou. Mas este diabo não é um Satanás tentador dos homens, mais um Coraçãozinho de Satã. É um diabo com plena consciência das culpas que tem e se deixou crucificar apenas para provar à humanidade que os pregos são a melhor coisa que a bricolage já deu ao mundo. O EP dos Diabo na Cruz é, justificadamente, uma tentação. "Dona Ligeirinha", tema de abertura, tem uma sensibilidade pop e bem-dispostismo (neologismo propositadamente inventado para a ocasião) que deixa o ouvinte com água na boca, de queixo caído e obrigado a usar expressões idiomáticas. "Os Loucos Estão Certos" seria a música que a minha avó teria escrito, entre a apanha da azeitona, o queijo de cabra com café solúvel e audições dos Ena Pá 2000. "Os padres comem putos/os putos comem ratos/na igreja de São Torpes hoje há bacanal" são dos versos mais bem-humorados da música portuguesa desde (e se calhar estou a ser injusto) alguns temas do "Cão" dos Ornatos Violeta, esse canídeo que alvoraçava corações banhados em adolescência. A terceira música, "Corridinho de Verão", traz uma energia faithnomórica com resquícios de "Mouth to Mouth" temperada de azeite, de jerrican em punho como shotgun, a disparar em todas as direcções numa cobóiada épicamente explosiva. A madrugada de cantautores portugueses para acabar com o panconismo, o coitadinhismo e o cinzentismo parece chegar. Nunca a crucificação do diabo esteve tão próxima de, paradoxalmente, salvar os nossos cinzentos resquícios de humanidade do pecado e lhes dar tons de fauna, flora e folclore.
A imagem é gamada do MeuEspaço deles. Que o Diabo me perdoe.
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