Friday, 2 September 2011

Inimigo Imaginário #5













Lembras-te pá, quando jogávamos Pro Evolution 4 naquelas tardes de Agosto com quarenta graus lá fora, temperatura essa que quase dava para grelhar um bife no capô dos carros?
Era deveras giro.
Só abandonávamos o vício em última instância, quando a minha mãe saía da cozinha disparada e armada com um pau, ameaçando atingir-me o lombo com singelas cacetadas.

Toda a gente ia à praia naquele ano, à conta de empréstimos bancários e cartões de crédito, é claro, com as calças do meu pai sou eu um homem. Tudo na praia e eu entre esplanadas e vindimas, tendo que me contentar com um simples bronze à trolha. Não que haja grande problema em ter um bronze à trolha, sobretudo quando de casa não se sai ou se sai de casa apenas à noite; pior é quando se decide ir à praia e dos ombros para baixo se fica com o aspecto de estar a usar mangas compridas de pele de uma pessoa que vive nos trópicos.

Mas talvez fosse sensato voltar ao Pro Evolution.
As tardes que eu passei naquela merda, pá, com a minha mãe a tentar convencer-me de que talvez fosse melhor ir lá para fora com quarenta graus, porque ao menos apanhava um solito e este ano nem à Foz do Arelho ias molhar o pé, quanto mais passar férias.

A minha equipa favorita fora sempre a Lisbonera, versão não autorizada do Benfica. Era uma espécie de equipa de uma dimensão paralela, e isso fascinava-me. O tosco do Ricardo Rocha era o Richa Rossa, o Manuel Fernandes chamava-se Mahelnandes e o malogrado Mantorras transformava-se no virtuoso Malyorras. Para mim, jogar com o Malyorras era poesia.

Uma pessoa olhava para o Mantorras da vida real e via aquele pobre sujeito, um jogador promissor que fodeu um joelho e a acabou-se-lhe a carreira ali. Podia ter sido um novo Eusébio, melhor que o Eto'o ou pelo menos tão bom quanto ele; um jogador de classe mundial. Mas não quis o destino que assim fosse.

Mas no universo paralelo do Lisbonera, Malyorras era rei, e aí residia para mim a poesia da coisa. Poético em termos verdadeiramente portugueses, da apreciação, beleza e choraminguice das coisas que nunca foram e podiam ter sido. Dos amores que se desejaram e não tiveram, dos caminhos que não se percorreram, dos mantorras que não se lesionaram. Como nem todos os Mantorras se tornam grandes jogadores, nem todas as sementes de macieira se tornam árvores. No entanto, ambos não deixam de ter em si as qualidades para tal.

E nesse universo outro estava então Malyorras, no outro lado do espelho.
O que jogava noventa minutos, marcava e ganhava troféus - tudo o que o verdadeiro vivia apenas na sua imaginação. E a realidade virtual, apesar de imaterial, não deixava de ser gloriosa e confortante.

Como vingança, no Lisbonera, Malyorras brilhava. Por pouco tempo, mas não importava.
É que nesse jogo, até o Postiga era bom jogador.
Já na realidade real, a história é bem outra.

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